A Diretiva Unshell: o próximo grande acontecimento?

No início de 2023, o Parlamento Europeu aprovou a proposta de diretiva da Comissão Europeia que estabelece um novo regime para prevenir a utilização de empresas de fachada com o intuito único de obtenção de vantagens fiscais (conhecida como ATAD 3 ou Diretiva Unshell).

A ATAD 3 introduz indicadores de substância mínima, resultando na impossibilidade de acesso a certos benefícios/regimes fiscais baseados em tratados ou diretivas da UE, como a isenção de retenção na fonte sobre dividendos, juros ou royalties.

Ao contrário do Pilar 2, a ATAD 3 não se limita a grupos multinacionais ou nacionais com receitas globais superiores a 750 milhões de euros. Por conseguinte, afetará muitas pequenas e médias empresas com presença na UE e aumentará o volume e custos administrativos.

Se e quando for adotada, espera-se que a ATAD 3 tenha um impacto substancial, particularmente nas estruturas holding europeias.

Entidades afetadas

A ATAD 3 está direcionada a empresas com residência fiscal num Estado-Membro da UE e que não exercem qualquer atividade económica por se considerar que não têm uma substância mínima.

Se uma empresa preencher os três critérios/condições (“gateways”) seguintes, é considerada “em risco” e será obrigada a cumprir determinados requisitos de informação na sua declaração fiscal anual:

     1. Rendimento passivo - Mais de 65% do rendimento global de uma entidade nos dois anos fiscais anteriores é "rendimento relevante".

O conceito de "rendimento relevante" abrange, em termos gerais, rendimentos passivos como juros, incluindo quaisquer outros rendimentos gerados por ativos financeiros, criptomoedas, royalties, dividendos, rendimentos de bens imóveis, rendimentos de certos bens móveis com um valor contabilístico superior a 1 milhão de euros ou rendimentos de serviços que tenham sido externalizados para outras empresas associadas.

     2. Atividades transfronteiriças - Durante os dois anos fiscais anteriores, pelo menos 55% do rendimento relevante da entidade foi obtido ou pago através de transações transfronteiriças. Alternativamente, mais de 55% do valor contabilístico de certos ativos (principalmente bens imóveis ou bens móveis com um valor contabilístico superior a 1 milhão de euros) está localizado fora do Estado-Membro da entidade. 

     3. Gestão e administração externalizadas - A entidade em causa externalizou a gestão das operações quotidianas e a tomada de decisões sobre funções significativas nos dois anos fiscais anteriores.

Se uma entidade carecer de substância nos termos dos três indicadores acima ou não apresentar documentação de suporte adequada na sua declaração anual de rendimentos (e.g. informação sobre instalações próprias, número de trabalhadores e colaboradores, contas bancárias ativas), presume-se que se trata de uma entidade de fachada.

No entanto, uma entidade tem o direito de ilidir esta presunção, como se explica mais adiante.

Em função de uma análise individual (ou seja, não será efetuada ao nível de um grupo, se aplicável), algumas empresas beneficiarão ainda de uma derrogação e ficarão isentas das obrigações de declaração se (i) a sua atividade principal consistir na detenção de ações em empresas operacionais no mesmo Estado-Membro, enquanto os seus beneficiários efetivos forem também residentes para efeitos fiscais no mesmo Estado-Membro, ou (ii) forem residentes para efeitos fiscais no mesmo Estado-Membro que o(s) acionista(s) da entidade ou da entidade-mãe última. Ademais, espera-se que certas entidades (e.g. certas entidades cotadas, certas entidades financeiras reguladas e alguns tipos fundos de investimento) também beneficiem de uma exclusão.

A possibilidade de ilidir a presunção de “empresa de fachada”

Os Estados-Membros devem tomar medidas para permitir que as entidades que se presume não terem substância mínima refutem esta presunção, fornecendo provas adicionais das atividades comerciais que realizam para gerar rendimentos.

Para o efeito, as entidades devem fornecer os seguintes elementos de prova adicionais: (i) um documento que permita determinar a lógica empresarial subjacente ao estabelecimento da entidade no Estado-Membro onde a atividade é exercida; (ii) informações sobre os perfis dos trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e independentes.

O Estado-Membro deve considerar um pedido de refutação da presunção no prazo de nove meses após a introdução do pedido e este deve ser considerado aceite na ausência de resposta do Estado-Membro após o termo desse período de nove meses.

Se um Estado-Membro considerar que uma entidade ilidiu de forma satisfatória a presunção de falta de substância, deve poder adotar uma decisão que certifique que a entidade tem um mínimo de substância para efeitos fiscais. Esta decisão deverá permanecer válida por um período máximo de 5 anos.

Se a entidade não lograr ilidir esta presunção, não poderá obter certificado de residência fiscal do seu Estado-Membro de residência na UE. Em termos práticos, isto significa que a entidade não poderá beneficiar de qualquer Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada pelo Estado de residência da entidade ou de diretivas da UE (e.g., a Diretiva “Mãe-Filhas" e a Diretiva "Juros e Royalties").

Procedimentos de aprovação e entrada em vigor

Há evidentes dificuldades de consenso ao nível dos Estados-Membros da UE sobre algumas das principais disposições da Diretiva Unshell, permanecendo a incerteza quanto à versão final da proposta, cuja divulgação ainda se aguarda. Em virtude desta ausência de unanimidade, é possível que mesmo as versões mais recentes da proposta venham a sofrer alterações.

Não obstante, à data desta publicação, não houve ainda qualquer alteração oficial à data de entrada em vigor (i.e., 1 de janeiro de 2025) – sendo certo que, após esta data, haverá que ter em conta os timings de transposição para o ordenamento jurídico de cada Estado-Membro da UE. 

A este respeito, vale a pena notar que, na recente conferência da IFA (International Fiscal Association), realizada em Amesterdão, se registaram níveis renovados de otimismo em relação à Diretiva Unshell, tendo, inclusive, um representante da atual Presidência espanhola indicado que um acordo quanto a esta iniciativa é uma prioridade e que o seu objetivo é chegar a um alinhamento político sobre esta matéria até à reunião do ECOFIN, agendada para novembro de 2023.

Apesar das incertezas, o que é certo é que, se for aprovada, a ATAD 3 terá um impacto em pedras basilares do sistema fiscal e das garantias dos contribuintes, como o ónus da prova. Com efeito, na aplicação das atuais disposições gerais ou específicas anti abuso, cabe à administração fiscal provar que a entidade é de fachada. No entanto, com a entrada em vigor da ATAD 3, será o contribuinte que terá de demonstrar que não se trata de uma entidade de fachada com base nos critérios da ATAD 3.

E o que esperar a seguir? A ATAD 4 está a caminho?

Para além da ATAD 3, a Comissão Europeia está também a trabalhar num novo pacote fiscal destinado a restringir ainda mais a utilização de entidades de fachada e o planeamento fiscal abusivo.

Este pacote inclui a iniciativa "Securing the Activity Framework of Enablers", a chamada iniciativa SAFE (como complemento da ATAD 3, visando os facilitadores que criam estruturas utilizando entidades de fachada não comunitárias).

Noutro contexto, encontra-se em desenvolvimento a chamada proposta FASTER, que visa introduzir um novo sistema de retenção na fonte a nível da UE para evitar abusos fiscais no domínio das retenções na fonte. A Comissão Europeia pretende adotar, nos próximos meses, uma proposta de diretiva para um procedimento mais eficiente de isenção da retenção na fonte na UE.

A nossa posição

As entidades que possam ser afetadas (na Madeira, Portugal ou Malta), deverão avaliar se existe uma potencial obrigação de reporte ao abrigo da ATAD 3 - a este respeito, vale a pena notar que as estruturas implementadas antes da entrada em vigor da ATAD 3 serão afetadas.

Na sequência desta avaliação, e de forma a evitar riscos desnecessários para os investidores, as empresas poderão ter de reconsiderar ou simplificar estruturas societárias potencialmente redundantes através de reestruturações que envolvam fusões ou mesmo a liquidação de entidades.

Na NEWCO, temos experiência no acompanhamento da conformidade das estruturas dos clientes através do controlo dos requisitos de substância das empresas constituídas na Madeira, em Portugal e em Malta.

Em particular, uma caraterística interessante da Diretiva Unshell é que fornece vários indicadores de substância que já estão dentro das nossas recomendações para as empresas que operam no Centro Internacional de Negócios da Madeira, tais como:

  • A posse de instalações próprias;
  • A detenção de pelo menos uma conta bancária própria e ativa ou uma conta de dinheiro eletrónico na União através da qual o rendimento relevante é recebido;
  • A nomeação de diretores qualificados e autorizados a tomar decisões em relação às atividades que geram rendimentos relevantes para a entidade ou em relação aos ativos da entidade, sendo este residente no Estado-Membro de residência da entidade;
  • A maioria dos colaboradores da entidade terem a sua residência habitual no Estado-Membro de residência dessa mesma entidade.

Embora se espere que as empresas do Centro Internacional de Negócios da Madeira já cumpram alguns dos requisitos da Diretiva Unshell, recomenda-se uma avaliação caso a caso e, por isso, podemos ajudá-lo com o seguinte:

  • Avaliação da estrutura atual e dos indicadores de substância da sua entidade;
  • Sugestão de possíveis soluções e adaptações da atividade da empresa por forma a cumprir quaisquer requisitos de substância;
  • Quaisquer outros serviços que possa necessitar relativamente à diretiva em análise.

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